Autor(a): Leandro Karnal
Ano da edição: 2017
Editora: Leya
Gênero: Literatura Brasileira
Catalogação: Aspectos Sociais
Sinopse: Podemos até não viver no paraíso, mas passamos muito longe do inferno: o Brasil é uma terra sem furacões ou terremotos, sem guerras civis ou genocídios, sem violência ou racismo. Um país sem ódios nem preconceitos. Neste livro, Leandro Karnal mostra que esse quadro pintado em cores ternas não resiste ao teste da história. É uma de nossas ilusões, realimentada ao longo de séculos. "Todos contra todos" escancara a polêmica das palavras que ferem, a natureza das reações raivosas dirigidas ao outro e o porquê de escondermos de nós mesmos a adesão às pequenas e grandes maldades do dia a dia. Com a marca da fala fácil e envolvente que o transformou no historiador mais pop do Brasil, Karnal não só disseca a natureza do ódio, da violência e do preconceito brasileiro, como explora as origens de um sentimento universal que negamos e odiamos sentir.
TRECHOS EXTRAÍDOS NA LEITURA DO LIVRO
“Sempre fomos bons em pensamentos maniqueístas, em dualismos morais perfeitos. Ninguém é católico por séculos e emerge ileso desse destino...”.
“A violência é do outro, nunca minha”.
“Somos um país violento. Violentos ao dirigir, violentos nas ruas, violentos nos comentários e fofocas, violentos ao torcer por nosso time, violentos ao votar”.
“Ódio não é dado a ter infância. Nasce adulto em lugares úmidos onde o ressentimento germina”.
“O ódio, como vários ditadores bem notaram, serve como ponto de união e de controle. O ódio é gêmeo do medo, e pessoas com medo cedem fácil sua liberdade de pensamento e ação”.
“O ódio é uma interrupção do pensamento e uma irracionalidade paralisadora. Como pensar é árduo, odiar é fácil”.
“O ódio fala muito de mim e pouco do objeto que odeio. Mas o principal tema do ódio é meu medo da semelhança. Talvez por isso os ódios intestinos sejam mais virulentos do que os externos. Odeio não porque sinta a total diferença do objeto do meu desprezo, mas porque temo ser idêntico. Posso perdoar muita coisa, menos o espelho”.
“Toda memória histórica tende a ser seletiva e construir-se a partir de valores épicos posteriores”.
“Os negros sempre estiveram separados na alma das pessoas brancas”.
“O preconceito é um câncer tão insidioso que ele atinge a vítima”.
“De todas as formas de dominação, aquela que faz crer que você têm direitos é a mais sofisticada”.
“Convém lembrar que o ódio é sempre uma resposta ao medo, à insegurança e à ignorância. Como não sei lidar com essas três forças, acabo manifestando o ódio. O ódio é sempre filho do medo, o ódio é sempre filho de uma mudança de situação”.
“Quanto maior o medo, maior o racismo. Quanto maior a ignorância, maior o racismo e a violência. Quanto maior a insegurança pessoal, maior o ódio. É uma maneira de eu responder de forma odiosa à incapacidade que tenho de achar minha posição no mundo. Nem todo ataque decorre da inveja do outro, mas todo ataque é fruto do seu medo. Tenho de aprender a odiar”.
“Somos um país com um histórico de estupros, linchamentos e ataques variados. Somos um país que vive um clima social de guerra civil, mas assim como os livros de história jamais trataram nossas guerras civis como tais, hoje poucos reconhecem que vivemos sob guerra civil”.
“Achamos que a violência do outro é endêmica, estrutural e sociológica, enquanto a nossa violência é episódica, acidental e fruto de indivíduos perturbados. É como nos enxergamos”.
“A violência é sempre espantosa e inexplicável. Só tem sentido no outro”.
“Palavras são armas, são o prenúncio de violências maiores”.
“O humor quase sempre é a consagração dos preconceitos mais comuns”.
“Gays mais femininos são mais atacados porque no fundo o que se ataca é a mulher, como se a mulher fosse um mal”.
“Quanto mais frágil a sociedade julga ser uma pessoa, mais a atacará. As mulheres negras, estatisticamente, sofrem ainda mais do que as brancas. Misoginia e racismo são um cruzamento desastroso”.
“De alguma forma, todas as piadas preconceituosas são uma homenagem a uma identidade. Quanto maior a identidade, maior a força da piada. Quanto mais uma pessoa se afirma, mais a insegurança dos outros se define”.
“Quando encaro num ser, num partido, num sindicato, numa cor ou numa orientação sexual o ódio que preciso sentir eu obviamente ganho em dignidade. E cresço. Portanto, essa existência bipolar do mundo é uma gramática que se complementa. Se amo meu time é porque os outros são piores”.
“Quando digo que você é um imbecil ao apontar o dedo, outros três dedos apontam para mim mostrando que devo ser brilhante, afinal você é imbecil. Se você é alguém idiota, então eu devo ser inteligente. É uma vontade de se melhorar. E esse narciso é muito forte, mas inseguro. Buscando contradição em termos psicanalíticos, se fosse um narciso seguro não precisaria apontar para o outro. Seria algo realizado em si mesmo”.
“O preconceito e o ódio são uma forma de socialização”.
“Explorar medos coletivos, dirigir violências contra grupos em meio a histerias sociais, aproveitar-se de crises para assustar a muitos com fantoches, usar propaganda sistemática e fazer da violência um método exaltado é uma estratégia comum a ditadores e todos aqueles, mesmo na democracia, que pretendem dominar as pessoas. Sentir medo faz eu ceder minha liberdade. O medo é aliado do poder”.
“O ódio tem um poder de coesão que o amor não tem”.
“O amor, o afeto e a convivência, e do outro lado o ódio, o desafeto e a desunião, são contagiosos. Mas o amor é um contágio lentíssimo, enquanto o ódio é um contágio viral, de uma rapidez enorme. O ódio é muito mais sedutor. O mal é sedutor”.
“Personalidades negociadoras e pacifistas são menos sedutoras do que as violentas e odiosas. É o ódio, e não o amor, que de fato nos seduz e nos deleita”.
“Misericórdia é sinal de fraqueza. Afeto está ligado ao feminino. E o ódio se relaciona com o macho alfa. O ódio é masculino”.
“O bem também tem um poder de destruição muito grande. Em nome do bem posso fazer o mal e tudo está eximido”.
“A virtude e a ditadura do bem exibem uma enorme vaidade. Hoje as pessoas que mais odeiam são aquelas que usam a expressão ‘pessoas de bem’. Sempre desconfio de quem usa expressões como essa. A sociedade das ‘pessoas de bem’ tem uma carga de ódio muito assustadora. As ‘pessoas de bem’ são capazes de matar, agredir e cercear em nome da virtude. A ditadura da virtude e o mal com fins e metas virtuosas talvez sejam o pior lado de todos, porque é mais difícil de combater. Constituem algemas de seda, baseadas na culpa e no bem. O mal em si, o mal que é mau, esse é mais fácil de ser desfeito do que o mal disfarçado em bem”.
“A vaidade tem relação com vazio, sentimento falso de se firmar sobre algo sem base”.
“A vaidade é um vazio que temos tentado preencher desde a origem”. - Eclesiastes
“O cristão é aquele que superou completamente o ódio e, quanto mais você me insulta, se eu for cristão, devo amá-lo. Por essa razão Nietzsche afirma que o último cristão morreu na cruz. Ou seja, Jesus foi o primeiro e último cristão”.
“A maldade é tão próxima do ódio quanto a inveja. A inveja amplia nossa dificuldade de aceitar o sucesso alheio. Nós enxergamos o sucesso do outro com muita facilidade - tanta facilidade que passamos a odiá-lo. Temos dificuldade de atribuí-lo à capacidade do outro ou não expressarmos sem inveja”.
“O drama do desejo da luz alheia é que, em vez de admiração genuína por um talento e até uma cobiça positiva que pode levar a um esforço edificante, a inveja corrói e consome o invejoso. É um ácido lento que pinga da estalactite da mediocridade e vai formando uma dor surda e constante”.
“A crença do invejoso é similar à do mercantilista antigo: a riqueza é fixa, se alguém tem mais deve ter tirado da minha parte”.
“O sucesso, é no Brasil uma ofensa pessoal”. - Nelson Rodrigues
“Inveja é cegueira. Pior, o olho do invejoso magnifica a luz real ou existente de terceiros e cega sobre as luzes possíveis de si. Em vez de ser feliz na relva, ficamos contemplando, pesarosos, sóis e luas”.
“Os invejosos são aqueles que não olham para si, mas para o outro. Se o ódio se desloca para alguém, os males que tenho dentro de mim ficam menos explícitos. A inveja provoca ódio que ilumina em mim o meu fracasso”.
“Abrir mão da dor permanente da comparação e da projeção sobre a luz alheia é um desafio”.
“Se estabelece um hospício não para tratar os loucos, mas para garantir àqueles que estão fora que são saudáveis”. - Michel Foucault
“Há um sentimento implícito de inveja da ordem e do crescimento. Esse sentimento é traduzido muito mais no defeito do outro do que no reconhecimento de que o que me incomoda é o meu fracasso, e não o sucesso alheio”.
“Nós só não temos raiva de quem fracassa, ou de quem é pequeno e não nos incomoda”.
“A internet não produziu os idiotas, mas os idiotas puderam constituir um bloco expressivo com a internet. Eles entenderam que o seu medo não era só deles, e que sua ideia equivocada sobre as mulheres, sobres os judeus ou sobre os gays era compartilhada por mais pessoas. Isso lhes deu uma segurança”.
“A internet não criou os idiotas, mas o ataque anônimo nas redes, sem o custo do ataque pessoal, deu ao ódio do covarde uma energia muito grande. Deu-lhe a proteção da distância física e do anonimato. O pior do ódio social, que é universal, agora pode ser dirigido sem custos. Numa comunidade, as relações são pessoais. Na rede, deletérias”.
“É errado, portanto, dizer que a internet transformou as pessoas em odiosas. Mas é fato que ela gera mais tranquilidade no exercício desse ódio. O enter é tão destruidor quanto qualquer outra coisa. Antes da internet, matar dava trabalho. Agora, incito o ódio com um clique”.
“A mentira é usada por alguém que tem noção da verdade. Quando minto, falto com a verdade. A “pós-verdade” é quando não considero isso relevante. Não importa saber se é verdade. O que importa é a sua eficácia”.
“Os homens se apressam mais a retribuir um dano do que retribuir um benefício”. - Tácito
“A gratidão é um peso, a vingança é um prazer. Na nossa hipocrisia contemporânea, devemos ser felizes a qualquer custo, enquanto sentimos rejeição à tristeza e à melancolia”.
“Tenho de aceitar que a felicidade só existe em diálogo com a infelicidade e que a percepção dela só existe em função da sua falta. Hoje, eu, Leandro, sou feliz porque me lembro de já ter sido infeliz. Se eu não tivesse essa percepção da minha infelicidade passada, não teria consciência da felicidade presente”.
“Conselhos para a felicidade: 1. Não expressar tudo o que se pensa. 2. Ser amistoso, mas nunca ser vulgar. 3. Valorizar amigos testados, mas não oferecer amizade a cada um que aparecer na sua frente. 4. Evitar qualquer briga, mas se for obrigado a entrar numa, que seus inimigos o temam. 5. Ouvir a todos, mas falar com poucos. 6. Usar roupas de acordo com a sua renda, sem nunca ser extravagante. 7. Não emprestar dinheiro a amigos, para não perder amigos e dinheiro. 8. Por fim, ser fiel a ti mesmo, e jamais ser falso com ninguém”. - Polônio / Hamlet
“Não seja como aqueles pregadores que falam abertamente do que devem fazer, mas não seguem a sua vida.” - Ofélia / Hamlet
“Conselhos podem ser sábios, mesmo na boca de um idiota”.
“A polarização é burra. Mas ela vem acompanhada de uma coisa ainda pior, que é a vontade de eliminar o oponente. Ou seja, nem lhe escuto. Nem quero saber o que você tem a dizer”.
“Quando digo que não há país no mundo que tenha uma sociedade ética e um governo corrupto, em vez de você me mandar um e-mail dizendo que sou um idiota ou um ‘petralha’, mande-me os exemplos dos países onde isso existe. Pesquise os quase duzentos países reconhecidos pela ONU e me envie o exemplo descoberto para que eu possa mudar de ideia. Quando você apenas me classifica e me adjetiva, não só não interrompe o fluxo de ódio como entra num campo de não discussão, imposição e adjetivação”.
“Não existe país com governo corrupto e população honesta. Ou seja, uma sociedade corrupta não tem uma política honesta, assim como seu inverso também é verdadeiro”.
“O que fazemos de errado é uma adaptação. Já o que o governo faz de errado não é ético. O que existe no Brasil é a incompreensão de que a pirâmide ética começa na família e na escola e vai até a República. Ética e política começam nas pequenas coisas”.
“A ética deve e pode ser para nós uma maneira de melhorar e tornar a vida mais reta e melhor”.
“Para quebrar a cadeia do ódio, a primeira tarefa é parar de ensinar ódio às crianças. Ter cuidado extremo com aquilo que se fala, porque as crianças incorporam esse discurso, por causa da autoridade e do afeto. Interromper esse fluxo de ódio exige interromper a educação do ódio. Requer que professores e pais parem de expressar constantemente ódio, mas expressem no seu lugar críticas racionais capazes de serem debatidas. Afinal, o ódio não admite que o outro refute. O ódio é passional. Se você redarguir, aumento o meu entusiasmo em defesa ou parto para agressão. Então, para que interrompamos o fluxo de ódio, é preciso interromper o fluxo de ataque irracional”.
“É preciso que as pessoas entendam que a escola é um espaço de discussão. Que eu não devo vigiar ou censurar a escola, mas discutir tudo o que ela faz, a função do educador e o papel de ambos na formação de uma criança”.
“A espécie humana é a luta de todos contra todos. Se vencer essa ideia, estamos diante da vitória de um consenso pela violência”. - Thomas Hobbes
“Se precisamos conter a violência é porque, sem a mordaça, a tendência da boca é gritar e morder”. - Walter Benjamin
“O ódio é um sintoma fabuloso para falar dos meus recalques, das minhas dores, meus medos e anseios. Ele é um dos espelhos mais poderosos para eu olhar meu próprio rosto. O que me perturba e faz odiar tem ali um segredo fundamental que preciso descobrir. O que me agride distrai de mim mesmo. O que me perturba me aproxima de mim mesmo”.
“O ódio, além de ser um elemento de conhecimento, convida que eu transforme aquele grão de areia em pérola. Que eu transforme aquilo que me incomoda num ponto de crescimento. E aí o ódio tem uma função boa: ele revela minha fraqueza. E, se eu desejo melhorar, a primeira missão é encarar a medusa. Se não, o ódio vai me dominar”.
Texto e Imagem: Google
📚 Biblioteca Pessoal

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