- Conte-me uma outra história, velho amigo - disse Philip, sentando-se pesadamente sobre uma cadeira. - Tenho necessidade de um uísque e de uma história diante do mar... A história mais bela e a menos verossímil, que me faça esquecer as mentiras patrióticas e contraditórias de alguns jornais que acabo de comprar no cais. Os italianos insultam os eslavos, os eslavos os gregos, os alemães os russos, os franceses a Alemanha e, quase outro tanto, a Inglaterra. Todos têm razão, imagino. Mas falemos de outra coisa... O que fez ontem em Escutari onde estava tão curioso para ver com os seus próprios olhos não sei quais turbinas?
- Nada - respondeu o engenheiro. - Afora uma olhada em alguns trabalhos de barragem, consagrei o melhor do meu tempo à procura de uma certa torre. Ouvi um sem-número de velhas mulheres sérvias contarem a história da Torre de Escutari e acabei por sentir necessidade de verificar a posição exata dos seus tijolos deteriorados e examinar se ali não se encontra, como se afirma, o vestígio de um traço branco... Mas o tempo, as guerras e os camponeses da vizinhança, preocupados em consolidar as paredes de suas casas, demoliram-na pedra por pedra, e sua lembrança não existe senão nos contos... A propósito, Philip, você é bastante afortunado para possuir o que chamamos uma boa mãe?
- Que pergunta - disse distraidamente o jovem inglês. - Minha mãe é bela, delgada, sempre maquilada, rija como o vidro de uma vitrina. Que deseja que lhe diga ainda? Quando saímos juntos, as pessoas me tomar por seu irmão mais velho.
– É isso, você é como todos nós. E pensar que alguns idiotas pretendem que falta poesia à nossa época, como se ela não tivesse seus surrealistas, seus profetas, suas estrelas de cinema e seus ditadores! Creia-me, Philip, o que nos falta são as coisas reais. A seda é artificial, os alimentos detestavelmente sintéticos assemelham-se aos simulacros de comida com que se empanturram as múmias. As mulheres imunizadas contra a desgraça e a velhice cessaram de existir. Não é senão nas lendas dos países semibárbaros que encontramos ainda essas criaturas ricas de leite e lágrimas, das quais nos orgulharíamos de ser filhos... Onde terei ouvido falar de um poeta que não podia amar nenhuma mulher porque havia encontrado Antígona numa outra vida? Um tipo como eu... Algumas dúzias de mães e de amantes, desde Andrômaca até Griselda, me fizeram exigente com respeito a essas bonecas inquebráveis que passam por realidade.
"Isolda por amante e por irmã a bela Aude... Sim, mas aquela que eu teria querido por mãe é uma menina da lenda albanesa, a mulher de um jovem reizinho destes lados...
"Eles eram três irmãos e trabalhavam na construção de uma torre de onde pudessem vigiar os ladrões turcos. Estavam presos a esse trabalho, ou porque a mão-de-obra fosse rara ou cara, ou porque, como bons camponeses, não confiavam senão em seus próprios braços. Suas mulheres vinham alternadamente lhes trazer a comida. Mas toda vez que conseguiam concluir suficientemente bem o trabalho para colocar o ramo de folhagem na cumeeira, o vento da noite e as feiticeiras da montanha derrubavam a torre, tal como Deus fez desmoronar Babel. Há muitas razões que contribuem para que uma torre não se mantenha de pé, e pode-se culpar tanto a imperícia dos operários, como as más condições do terreno ou a má dosagem do cimento que liga as pedras. Mas os camponeses sérvios, albaneses ou búlgaros não reconheciam nesse desastre senão uma única causa: sabem que um edifício desmorona quando não se teve o cuidado de encerrar nas suas fundações um homem ou uma mulher cujo esqueleto sustentará a pesada carga de pedras até o dia do juízo final. Na cidade de Arta, na Grécia, mostram aos visitantes uma ponte onde foi encerrada uma moça: uma parte de sua cabeleira sai por uma fenda e pende sobre a água como uma planta loura. Os três irmãos começavam a entreolhar-se com desconfiança e tomavam cuidado em não projetar sua sombra sobre a parede inacabada, porque se pode, na falta de coisa melhor, encerrar em uma construção o negro prolongamento do homem que é talvez sua alma. E aquele cuja sombra fica assim prisioneira morre como um desgraçado atingido por um amor infeliz.
"À noite, cada um dos três irmãos se sentava o mais longe possível do fogo, de medo que alguém se aproximasse por trás silenciosamente e jogasse um saco de pano sobre sua sombra e a levasse semi-estrangulada como um pombo negro. O seu ardor no trabalho diminuía e a angústia – não mais a fadiga – inundava de suor suas testas morenas. Afinal, um dia, o mais velho dos irmãos reuniu ao seu redor os irmãos mais novos e lhes disse:
" – Irmãozinhos, irmãos de sangue, de leite e de batismo, se nossa torre ficar inacabada, os turcos se introduzirão novamente nos taludes do lago, dissimulados atrás dos caniços. Violarão as moças das fazendas, queimarão em nossos campos a promessa do pão do dia de amanhã e crucificarão nossos camponeses nos espantalhos fixados nos prados, transformando-os em chamariz para os corvos. Meus irmãozinhos, temos necessidade uns dos outros, mas não se trata, para o trevo, de sacrificar uma de suas folhas. Cada um de nós tem uma mulher jovem e forte, cujos ombros e a bela nuca estão habituados a carregar fardos. Não decidamos nada, meus irmãos: deixemos a escolha ao Acaso, o testa-de-ferro de Deus. Amanhã, ao amanhecer, agarraremos para emparedá-la nas fundações da torre aquela de nossas mulheres que virá nesse dia nos trazer a comida. Não lhes peço mais que o silêncio de uma noite, oh meus irmãos mais novos! E não abracemos com excesso de lágrimas e de suspiros aquela que, afinal, tem duas chances em três de respirar ainda à hora do poente.
"Era-lhe fácil falar assim porque detestava em segredo sua jovem esposa. Desejava desembaraçar-se dela para desposar em seu lugar uma moça grega, linda e ruiva. O segundo irmão não levantou objeções porque pretendia prevenir sua mulher ao voltar à casa. O único que protestou foi o caçula porque costumava cumprir suas promessas. Comovido pela magnanimidade dos irmãos mais velhos que renunciavam, em favor da obra comum, ao que eles possuíam de mais caro no mundo, acabou por se deixar convencer e prometeu calar-se durante a noite.
"Eles voltaram à casa à hora crepuscular, quando o fantasma da luz morta frequenta ainda os campos. O segundo irmão chegou à sua tenda terrivelmente mal-humorado e ordenou rudemente à sua mulher que o ajudasse a descalçar as botas. Quando ela se curvou diante dele, ele lhe atirou o calçado em pleno rosto e declarou:
" – Há oito dias visto a mesma camisa e chegará o domingo sem que eu possa mudar de roupa. Maldita preguiçosa, amanhã, desde o nascer do sol, irás ao logo com o teu cesto de roupas e ali permanecerá até a noite entre a escova e o batedor. Se te afastares um passo, morrerás.
"E a jovem esposa, trêmula, prometeu consagrar o dia seguinte à lavagem de roupa.
"O irmão mais velho entrou em casa decidido a nada dizer à mulher cujos beijos o importunavam e cuja pesada beleza ele já não apreciava. Ele, porém, tinha uma fraqueza: falava dormindo. A opulenta matrona albanesa não dormiu naquela noite porque perguntava a si mesma o que teria feito para desgostar seu senhor. Súbito, ouviu o marido resmungar puxando os cobertores para cobrir-se:
" – Caro coração, caro coraçãozinho meu, breve ficarás viúvo... Como estaremos tranquilos separados daquela mulher trigueira pelos bons tijolos da torre...
"O caçula entrou em sua tenda pálido e resignado como um homem que tivesse encontrado a própria morte no seu trajeto, com a foice sobre o ombro, a caminho de sua colheita. Beijou o filho no berço de vime, cheio de ternura tomou a mulher nos braços e, durante toda a noite, ela o ouviu chorar junto a seu coração. Mas a jovem discreta não lhe perguntou a causa do grande desgosto porque não queria forçar suas confidências. Não tinha necessidade de saber quais eram suas mágoas para tentar consolá-lo.
"No dia seguinte, os três irmãos pegaram as enxadas e as marretas e partiram em direção à torre. A mulher do segundo irmão preparou o seu cesto de roupas e foi ajoelhar-se diante da esposa do irmão mais velho:
" – Irmã – disse –, cara irmã, é o meu dia de levar a comida para os homens, mas o meu marido me ordenou, sob pena de morte, que lavasse suas camisas brancas; como vê, minha cesta está cheia delas.
" – Irmã, cara irmã – disse a mulher do irmão mais velho –, eu iria de boa vontade levar a comida para os nossos homens, mas um demônio introduziu-se esta noite no interior de um dos meus dentes... Ui! Ui! Ui! Não sirvo para mais nada a não ser para gritar de dor...
"Em seguida, bateu palmas sem-cerimônia para chamar a esposa do caçula:
" – Esposa do nosso irmão caçula – disse –, cara mulherzinha do mais novo, vá você em nosso lugar levar a comida dos homens porque a estrada é longa, nossos pés estão cansados e somos menos jovens e menos ligeiras que você. Vá, cara pequena, e encheremos seu cesto de coisas gostosas para nossos homens a recebam com um sorriso, mensageira que lhes saciará a fome.
"E o cesto foi sortido de peixes do lago, conservados no mel e em passas de Corinto; de arroz envolvido em folhas de videiras; de queijo de leite de ovelha e de bolos de amêndoas salgadas. A jovem entregou seu filho aos braços das cunhadas e pôs-se a caminho. Ia só, com o fardo sobre a cabeça e o destino em volta do pescoço como uma medalha benta, invisível a todos, sobre a qual o próprio Deus teria inscrito o gênero de morte a que estaria destinada e o seu lugar no céu.
"Quando os três homens a avistaram de longe, figurinha ainda indistinta, correram para ela, os dois primeiros inquietos sobre o sucesso dos seus estratagemas e o mais jovem rogando a Deus. O mais velho engoliu uma blasfêmia ao descobrir que não se tratava de sua mulher morena e o segundo irmão agradeceu ao senhor em voz alta por ter poupado sua lavadeira. O caçula ajoelhou-se, rodeando a cintura de sua jovem mulher com os braços e gemendo pediu-lhe perdão. Em seguida, arrastou-se aos pés dos irmãos e suplicou-lhes que tivessem piedade. Enfim, ergueu-se e fez brilhar ao sol o aço de sua faca. Um golpe de marreta sobre sua nuca o projetou à margem do caminho. A jovem esposa, assustada, havia deixado cair o cesto e os alimentos se espalharam, indo alegrar os cães do rebanho. Quando compreendeu do que se tratava, ergueu as mãos para o céu:
" – Irmão a quem jamais faltei, irmãos pelo anel de casamento e pela bênção do padre, não me matem, mas previnam antes meu pai que é o chefe do clã na montanha e ele lhes fornecerá mil criados que poderão sacrificar. Não me matem: amo tanto a vida! Não coloquem entre mim e o meu bem-amado a espessura da pedra.
"Mas calou-se subitamente ao perceber que o jovem marido, estendido à beira da estrada, não movia as pálpebras e que seus cabelos negros estavam empapados de miolos e sangue. Só então se deixou conduzir pelos dois maridos, sem gritos e sem lágrimas, até o nicho cavado na muralha redonda da torre. Já que ela também ia morrer, podia economizar as lágrimas. Mas no momento em que colocaram o primeiro tijolo diante dos seus pés calçados de sandálias vermelhas, ela se lembrou do filho que ainda tinha o hábito de mordiscar seus sapatos como um cãozinho brincalhão. Lágrimas quentes rolaram em seu rosto e se misturaram ao cimento que a pá de pedreiro alisava sobre a pedra:
" – Pobres pezinhos – disse. – Não me levarão mais ao alto da colina, a fim de apresentar mais cedo meu corpo ao olhar do meu bem-amado. Não conhecerão mais o frescor da água corrente. Só os Anjos lavarão vocês na manhã da Ressurreição.
"Os tijolos e as pedras subiram até os seus joelhos cobertos por uma saia dourada. Ereta ao fundo do nicho, a jovem tinha o ar da Virgem Maria de pé, atrás do altar.
" – Adeus, meus caros joelhos – disse a jovem. – Não embalarão mais meu filho. Nem os encherei mais de bons frutos, sentada sob a linda árvore do pomar que produz ao mesmo tempo sombra e frutos.
"A parede subiu um pouco mais e a jovem continuou:
" – Adeus minhas mãozinhas que pendem junto ao meu corpo, mãos que não prepararão mais as refeições, mãos que não enrolarão mais a lã, mãos que não se unirão mais em torno do bem-amado. Adeus, meus quadris. E você, meu ventre, que não conhecerá de novo a gravidez nem o amor. Crianças a quem eu teria podido dar à luz, irmãozinhos que não tive tempo de dar a meu filho único, vocês me farão companhia nesta prisão que me serve de túmulo e onde ficarei de pé, sem sono, até o dia do juízo final.
"O muro de pedras já lhe atingia o peito. Nesse momento, um arrepio percorreu o alto do corpo da jovem e seus olhos suplicantes tiveram um olhar equivalente ao gesto de suas mãos estendidas.
" – Meus cunhados – disse –, em atenção, não a mim, mas a seu irmão morto, pensem em meu filho e não o deixem morrer de fome. Não emparedem meu peito, irmãos, para que meus dois seios permaneçam acessíveis sob a minha camisa bordada, e todos os dias tragam meu filho ao amanhecer, ao meio-dia e ao crepúsculo. Enquanto me restarem algumas gotas de vida, elas descerão até o bico dos meus dois seios para nutrir o filho que pus no mundo. O dia em que eu não tiver mais leite, ele beberá minha alma. Meus irmãos, se procederem assim, meu caro marido e eu não os censuraremos no dia em que nos encontrarmos perante Deus.
"Os irmãos, intimidados, concordaram em satisfazer seu último desejo e colocaram um intervalo de dois tijolos à altura dos seios. Nesse momento, a jovem murmurou:
" – Irmãos queridos, coloquem seus tijolos diante de minha boca, porque os beijos dos mortos fazem medo aos vivos, mas deixam uma fenda diante dos meus olhos, a fim de eu que possa ver se meu leite será proveitoso a meu filho.
"Eles procederam como ela dissera, e uma fenda horizontal foi deixada à altura dos olhos. Ao crepúsculo, hora em que sua mãe tinha o costume de amamentá-la, trouxeram a criança através da estrada poeirenta, orlada de arbustos baixos devorados pelas cabras. A supliciada saudou a chegado do bebê com gritos de alegria e bênçãos dirigidas aos dois irmãos. Jatos de leite correram dos seios duros e mornos e, quando o menino feito da mesma substância que o seu coração adormeceu contra seu peito, ela cantou com a voz amortecida pela espessura da parede de tijolos. No momento em que o bebê abandonou seu seio, ela ordenou que o levassem ao acampamento para dormir. Mas durante toda a noite uma terna melopéia se e elevou sob as estrelas e aquela canção de ninar, cantada a distância, foi suficiente para impedir o bebê de chorar. No dia seguinte, ela não cantava mais e foi com voz fraca que perguntou como Vânia havia passado a noite. No outro dia, calou-se, mas respirava ainda porque seus seios habitados por sua respiração subiam e desciam imperceptivelmente em sua prisão. Alguns dias mais tarde, seu fôlego foi reunir-se à sua voz, mas os seios imóveis nada haviam perdido de sua doce abundância de leite e a criança, dormindo junto ao seu peito, ouvia ainda seu coração. Depois, esse coração tão bem ajustado com a vida espaçou as pulsações. Seus olhos lânguidos se extinguiram como o reflexo das estrelas em uma cisterna sem água e, através da fenda, não foram vistas senão duas pupilas vítreas que já não olhavam para o céu. Essas pupilas se liquefizeram por sua vez e deram lugar a duas órbitas vazias no fundo das quais se vislumbrava a Morte. Entretanto, o jovem peito permanecia intacto e, durante dois anos, à aurora, ao meio-dia e aos crepúsculo, o jorro miraculoso continuou até que a criança desmamada o rejeitou.
"Somente então, o peito tornou-se estéril e não houve sobre a beirada dos tijolos mais que um punhado de cinzas brancas. Durante alguns séculos, mães comovidas seguiram com o dedo as marcas deixadas nos tijolos vermelhos pelo leite maravilhoso. Finalmente, a própria torre desapareceu e seu peso deixou de esmagar o frágil esqueleto da mulher. Os ossos delicados também se desfizeram e já não resta aqui senão um velho francês torrado por esse calor infernal, que repete para o recém-chegado essa história digna de inspirar aos poetas tantas lágrimas como a história de Andrômaca."
Nesse momento, uma cigana coberta por uma horrível sujeira dourada aproximou-se da mesa onde se sentavam os dois homens. Carregava uma criança cujos olhos doentes desapareciam sob uma atadura de trapos. Curvou-se em duas, com a insolente subserviência que não é própria senão das raças miseráveis e reais, e suas saias amarelas varreram o chão. O engenheiro afastou-a rudemente, sem se preocupar com a voz que subia do tom de prece ao tom de maldição. O inglês chamou-a para lhe dar a esmola de um denário.
- Qual o motivo da sua atitude, velho sonhador? - disse o inglês rudemente. - Seus seios e seus colares valem bem os de sua heroína albanesa. E a criança que a acompanha é cega.
- Conheço bem essa mulher - respondeu Jules Boutrin. - Um médico de Ragusa me contou sua história. Há meses que ela aplica sobre os olhos do seu filho horríveis emplastos que lhe inflamam a vista e causam piedade aos transeuntes. Ele vê ainda, mas logo será aquilo que ela deseja que ele seja: um cego. Essa mulher terá então seu ganha-pão assegurado para o resto da vida, porque o cuidado de um enfermo é uma profissão lucrativa. Existem mães e mães.
• Extraído do livro "Contos Orientais" - Marguerite Yourcenar •
Texto: site "Passei Direto" / Imagem: Google

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