Vermelho amargo


Título original: Vermelho amargo
Autor(a): Bartolomeu Campos de Queirós
Ano da edição: 2011
Editora: Cosac Naify
Gênero: Ficção Doméstica
Catalogação: Literatura Brasileira
Sinopse: Um tomate fatiado pode concentrar muitas metáforas, memória afetiva e poesia. Em "Vermelho amargo", Bartolomeu Campos de Queirós nos transporta para os mil olhos do menino-narrador e, quando damos conta, é nossa infância que passa a coadjuvar seu olhar sensível.
O autor nos apresenta uma irmã que de tanto bordar em cruz achou um marido/cruz pra carregar; um irmão que come vidro; outra irmã que mia pelo gato mudo; um pai alambique que destila álcool e ausência; e uma madrasta que fatia em vários vermelhos o mundo afetivo do narrador. No fluir da história, sua prosa mineira transforma-se num fole de sanfona, ora aberta em vários gomos, hora recolhida, resignada as ausências amorosas do lar.
TRECHOS EXTRAÍDOS NA LEITURA DO LIVRO
“A dor do parto é também de quem nasce. Todo parto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se - em lágrimas - do paraíso, é condenar-se à liberdade”.
“Felicidade era quase uma mentira e, para alcançá-la, só depois de pisar muitas pedras”.
“É preciso muito bem esquecer para experimentar a alegria de novamente lembrar-se. Tantos pedaços de nós dormem num canto da memória, que a memória chega a esquecer-se deles”.
“A palavra - basta uma só palavra - é flecha para sangrar o abstrato morto. Há, contudo, dores que a palavra não esgota aos dizê-las”.
“Impossível para uma criança viver a lucidez da ferida que se abre ao nascer, e não há bálsamo capaz de cicatrizá-la vida agora. Nascer é abrir-se em feridas”.
“Passarinho não canta, passarinho lastima. Diante da demasiada liberdade seu canto vira pranto. Liberdade, quando abusiva, mais amedronta. Ter um céu inteiro por caminho espanta até as asas. Todo pássaro faz um desnorteio ao voar. O medo interrompe a liberdade, mesmo no coração dos pássaros”.
“Colher rosa, uma tarefa perigosa e não valia a pena, ou valia tantas penas. Na rosa, a vida é breve, e, nas feridas, a vida é longa. Melhor deixá-la murchar em seu ramo e apreciá-la à distância. Continuamente, eu sofria pelo medo de sofrer”.
“Mentir a si mesmo é uma fórmula para aliviar-se. E não há contra-prejuízo ao enganar-se. O pecado sobrevive dentro do pecado. Cada mentira é mais outra fantasia”.
“Suspeitar é negar-se à certeza”.
“Exige-se longo tempo e paciência para enterrar-se uma ausência. Aquele que se foi ocupa todos os vazios. Como água, também a ausência não permite o vácuo. Ela se instala mesmo entre as pausas das palavras. Na morte, a ausência ganha mais presença. É substantivo e concreto tudo aquilo que permanece. Daí, os mortos passearem entre nós. Jamais imaginei seu espírito transfigurado em fruto”.
“Sempre suspeitei o nascer como entrar num trem andando. Só que, o mundo, eu não sabia de onde vinha nem para onde ia. E, no meu vagão, não escolhi os companheiros para a viagem. (...) Até hoje o mundo ainda não atracou. Vou sem escolher o destino. O trem estancava na minha cidade, trocava de carga e reabastecia-se. O mundo só permite uma baldeação definitiva”.
“Coração do outro é uma terra que ninguém pisa”.
“Saudade é sentimento que a gente cultiva com o regador para preservar o cheiro de terra encharcada. É bom deixá-la florescer, vê-la brotar como cachos de tomate”.
“Sempre pensei o ‘sempre’ como um tempo muito longe. O sempre começava no nascimento e acabava, para cada um, numa hora que fugia do relógio. Viajar para o sempre não demanda bilhete de partida. Quando se assusta, somos expulsos para o sempre, mesmo sem passagem. Eu sabia que viver um dia é ter menos um dia”.
“Havia as tardes, com essências inodoras de crepúsculos. Neste instante de incertezas - entre cores - a vida com suas dúvidas se torna por demais demorada. (Viver fica entre parênteses). A paciência aconchega a alma e adormece a dor. A beleza gratuita das tardes arranha até os olhos e toda ausência mais dói, e mesmo o silêncio é insuficiente para suportar esse meio-termo”.
“Diviso o mundo vivido do mundo sonhado, com a nitidez da loucura. Meu real é mais absurdo que minha fantasia. O presente é a soma de nostalgias, agora irremediáveis. A memória suporta o passado por reinventá-lo incansavelmente”.
“Ao transbordar a vida se faz lágrima e rola salgando o passado morto, mudo, que dorme no canto da boca. Não há condimento capaz de temperar o futuro. Só se salga a carne morta. O depois não tem pressa e chega seu tempo, seco e frio. O pranto acontecia pela intensidade dos porquês. Não há merecimento ao sofrer por falta de explicações. A vida nos espia para creditar mais culpas”.
“Viver exigia legendar o mundo. Cabia-me o trabalho exaustivo de atribuir sentidos a tudo. Dar sentido é tomar posso dos predicados. Trabalho interessante, este de nomear as coisas. Chamar pelo nome o visível e o invisível é respirar consciência. Dar nome ao real que mora escondido na fantasia é clarear o obscuro. Ainda criança eu carregava o peso da terra, sem estar no bem fundo”.
“O amor peregrinou em meu corpo vida adentro. Se tudo era nada, a lembrança acordava mais. O amor se fez sempre o rosto do meu depois. A saudade, ao me afrontar, mais eu desfazia dos amanhãs. E, se a carne reclamava, eu salgava sua dor com os sonhos da memória”.
“A culpa é relativa ao tamanho da memória. Esquecer é desexistir, é não ter havido”.
Texto e Imagem: Google 
📚 Biblioteca Pessoal 

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